MITOLOGIA DA LUTA
A luta é tão antiga como a existência do homem sobre a terra. Nos documentos e histórias mais antigas que ainda se conservam um pouco por todo o mundo, vemos como o homem desde o primeiro dia luta. Luta para sobreviver, luta para se alimentar, luta na guerra, luta na sociedade, luta pela liberdade da sua pátria, terra ou comunidade, luta para conquistar amizades ou ser amigo de alguém, luta para defender a sua honra e a da sua família, luta no seu local de trabalho por melhores condições laborais, contra a exploração, o tempo e o cansaço, luta contra a doença, a fome e a miséria, luta pela justiça e pelos seus ideais, luta na rua, luta na sua modalidade desportiva favorita, luta para ser feliz, luta contra a injustiça social e contra os criminosos, ladrões ou bárbaros que lhe querem roubar o que é seu, enfim o homem luta por tudo. A vida é uma luta diária e constante. Desde os tempos mais antigos até hoje.
A luta tradicional (ou lutas) terá sido a primeira arte marcial inventada pelo homem. Há gravuras datadas do ano 5.000 antes de cristo, encontradas no actual território iraquiano, que mostram lutadores da antiga Suméria a praticarem um determinado tipo de luta, outras gravuras encontradas no Egipto e datadas do ano 3.000 antes de cristo, também mostram lutadores a praticarem uma luta. Pouco antes e cerca do ano 1.000 antes de cristo, a luta é introduzida na Grécia antiga, vinda do Mediterrâneo oriental (Ásia Menor). Também, os primeiros registos e documentos históricos que falam da luta são gregos, eles se referem à Orthopali a luta percursora do ainda mais famoso Pancrácio (ou Pankration...), praticado na Grécia e introduzido nos Jogos Olímpicos clássicos (como Luta livre) no ano 704 antes de Cristo, durante a 18.ª Olímpia da Época Clássica, cujo primeiro vencedor foi o grego Euribates. Outros míticos lutadores gregos clássicos se seguiram, até este tipo de luta ser introduzido oficialmente no Império romano no ano 175 antes de cristo. Já no século XVI, ficou célebre um combate realizado em França entre um rei francês e um rei inglês, ganho pelo primeiro. Mas foi na Inglaterra, durante o reinado de Henrique VIII, que se desenvolveu e se popularizou a luta (o Catch) como desporto. Mais tarde no século XIX, uma antiga luta livre, a greco-romana, seria em França transformada numa nova modalidade universal reformulada com novas regras e regulamentos. Foi assim na terra de Pierre de Coubertain, que se abririam os primeiros ginásios da moderna Luta livre francesa, uma versão moderna da luta greco-romana. Anos mais tarde, em Paris, celebrou-se o primeiro campeonato do mundo de Luta ganho pelo grande impulsionador da luta neste país, Paul Pons. Em 1896 a Luta Greco-romana é introduzida nos primeiros Jogos Olímpicos Modernos.
Nos primeiros tempos, na antiga Lusitânia, a luta teria sido introduzida talvez um pouco antes do primeiro milénio antes de Cristo, por povos Indo-iranianos vindos da Ásia Menor que se misturaram com os povos nativos lusitanos de matriz racial Ibero-mediterrânica. Mais tarde, por volta do ano 600 a.c. as tribos celtas vindas da Europa Central teriam trazido consigo uma outra forma de luta que daria lugar à antiga luta tradicional lusitana, aqui denominada de Gaurun.
Segundo a mitologia da antiga Lusitânia, Reus o pai dos deuses do antigo panteão religioso lusitano, que desfrutava de enorme devoção entre o povo nativo lusitano, mas que entre os guerreiros e mais jovens teria sido suplantado em popularidade por uma outra divindade, apenas. Na verdade essa divindade teria sido um deus menor ou um humano que por qualquer feito heróico foi elevado à categoria de deus, tal como Hércules (pesem embora as diferenças mitológicas), de seu nome completo Bandi Brialeaeco (ou Bande Brialeaecus) que traduzido para português significa "Divino mágico da força". Como semi-deus com qualidades humanas ou humano elevado ao estatuto de divindade, Brialeaeco teria sido o Mestre da Guerra e das artes militares entre os lusitanos. Era o deus da luta pelas façanhas. Ele foi o inventor da luta tradicional e criador dos jogos de combate lusitanos. Por isso os lusitanos, principalmente os mais jovens que acabavam de entrar na vida adulta, e os mais velhos que atingiam a sua plena maturidade, juntavam-se em Confrarias guerreiras e militares, para regularmente organizarem jogos de guerra e lutarem entre si, quando não havia guerra e lutas contra outros povos invasores, ou contra bandos de criminosos e de mercenários renegados que por vezes saqueavam as comunidades mais ricas, destruiam as aldeias mais isoladas e assaltavam os caminhos e estradas mais movimentadas. A entrada nestas Confrarias militares ou guerreiras, que se fazia (por vezes) através de um juramento sob a estátua do próprio Brialeaeco e terminava com um rito cerimonial do corte dos pulsos com uma adaga ou um punhal sagrado entre os mancebos que desta forma ao misturarem o seu sangue se tornariam assim irmãos para sempre, obrigava também ao cumprimento de um severo código de honra entre os seus membros. E, ao contrário do que se possa pensar, a entrada não estáva só reservada para membros das castas guerreiras lusitanas nem para alguns filhos da aristocracia lusa, a sua entrada era permitida também aos pastores, camponeses e labregos lusitanos que reunissem certas condições físicas e morais, porque estes homens simples do povo, estavam calejados pela dureza da sua vida quotidiana como ainda hoje é o mundo rural.
Segundo algumas lendas, o próprio Viriato um dos líderes lusitanos que organizou no seu tempo a resistência da Lusitânia contra a ocupação romana, seguiria este rigoroso e disciplinador código de conduta religioso-social e militar, com severas regras que obrigavam e incluiam entre outras, um total desapego pessoal à riqueza material, a entrega dos despojos de guerra aos povos mais necessitados ou a sua divisão de igual modo por todos os guerreiros membros da confraria, de forma a garantir a subsistência diária do grupo em territórios mais hostis, a obediência inquestionável aos líderes, a entre-ajuda e solidariedade dos camaradas de armas, o jejum durante todo o dia uma vez por semana ou mês desde que não estivessem em batalhas, caminhar e correr longos quilómetros a pé todos os dias, dormir sempre sobre a pedra ou no chão duro da terra, comer apenas uma refeição por dia a pão e água nos dias de campanha, o cumprimento diário de oferendas aos deuses nativos e o respeito pela vida, só se matava um animal em caso de extrema necessidade alimentar, e humanos quando estes punham em causa a vida ou a existência do grupo ou de uma comunidade. No fundo todos os guerreiros (alguns deles seriam também sacerdotes) de uma confraria procuravam ter um espírito são em corpo são. Na maioria dos casos, caso ocorre-se a morte do seu chefe em combate, todos os membros de uma confraria lutavam entre si até à morte, para acompanhar também o seu líder morto na grande batalha do Além. Esta era a maior honra reservada a um guerreiro lusitano. No caso de morte por acidente, incapacidade ou velhice, havia sempre um outro guerreiro para o substituir na liderança da confraria. Os jogos de guerra lusitanos, eram lutas corpo a corpo sem armas e lutas com armas letais, inicialmente sem regulamentos e sem normas, cujo fim era que vencesse o mais forte ou o melhor. Segundo a tradição, o próprio Bande Brialeaeco, humano elevado à categoria de deus, teria sido um grande guerreiro e lutador da sua época, que fomentou e incentivou a abertura de escolas de luta e de artes guerreiras na Lusitânia, de forma a que estas se popularizassem entre os lusitanos. Daí nasceu a enorme devoção que os mais jovens e os antigos guerreiros lusitanos tinham para com esta divindade menor do seu panteão.
À medida que os séculos e os anos passavam, a afeição pela luta (hoje desporto) tradicional lusitana foi crescendo entre o povo e não só entre os guerreiros e classes mais privilegiadas, mesmo sob ocupação romana, passando a ser admirada por grandes massas de gente, de camponeses, pastores e labregos, por comunidades e aldeias inteiras, que paravam só para assistirem aos combates que se realizavam em dias festivos, fossem na rua, em palheiros ou em recintos próprios. Só após a invasão portuguesa da Lusitânia no século XII, é que esta luta tradicional entrou em declíneo. Até desaparecer quase completamente no século XX, segundo alguns registos, o último combate de luta tradicional lusitana (Maluta, em português) realizou-se na pequena vila do Soito, concelho do Sabugal, muitas outras aldeias da Beira interior no distrito da Guarda, praticavam esta antiga luta tradicional lusitana sob o nome de Queda. Hoje, no começo do século XXI, damos início ao seu renascimento. Pelos antigos deuses lusitanos de hoje e de sempre, há-que recuperar e preservar as nossas tradições nativas para mantermos viva a identidade do nosso povo!